sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Trecho de discurso do professor Luís Roberto Barroso no encerramento da XXI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil

A Conferência Magna de Encerramento da XXI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, proferida pelo advogado e professor Luís Roberto Barroso,  no dia 24 de novembro de 2011, na cidade de Curitiba, está disponível integralmente aqui. Abaixo segue um trecho destacado do discurso em que ele abordou o tema da "transparência":

"9. Transparência
Três disfunções acompanham, desde sempre, a formação social e política do Brasil: o patrimonialismo, que mistura o público com o privado; o oficialismo, que faz tudo que é importante depender das bênçãos do Estado; e o autoritarismo, que concentra poderes para distribuir favores. A consciência desses problemas tem permitido às novas gerações enfrentarem-nos com a intensidade possível. Ao escolher o tema transparência como uma das grandes questões nacionais, moveu-me, acima de tudo, uma preocupação: fugir do discurso difuso e generalizante acerca da corrupção. O imaginário social brasileiro vive assombrado pela desconfiança e pela suposição de que em toda parte estão ocorrendo tenebrosas transações. Embora haja, mesmo, excesso de coisas erradas, essa atitude nihilista mina a cidadania e contagia a todos com o vírus da deseperança: já que ninguém presta, não adianta tentar fazer melhor. E aí, absolvidos pela culpa geral, os bons, que são a maioria, deixam de fazer bem feita a parte que lhes toca. E o mal triunfa. Na história brasileira, a pregação vaga contra a corrupção, sem propostas e soluções específicas, foi o combustível de aventuras autoritárias ou demagógicas. Em busca de transparência, trago ideias simples em relação a três áreas: orçamento, contratos administrativos e cargos em comissão.
(i) Orçamento público
O orçamento público entre nós é uma caixa preta, desconhecido e inacessível, na sua elaboração e execução. Concentro-me na questão da elaboração, lembrando que o orçamento é a lei formal que contém a previsão das receitas públicas e a autorização para realização das despesas públicas. Do ponto de vista político, a elaboração orçamentária é um grande espaço democrático negligenciado. Não há debate público adequado acerca das grandes decisões que nele se materializam: quanto de recursos serão alocados para a saúde, educação, construção de rodovias, pagamento da dívida pública ou publicidade institucional. A sociedade brasileira não participa dessa discussão. Do ponto de vista operacional, tanto no Executivo como no Legislativo, a elaboração do orçamento fica confinada a um número restrito de iniciados que desfrutam de um poder sem controle. Minha proposta: antes de encaminhar o projeto de lei orçamentária ao Congresso Nacional, o Poder Executivo deverá explicitar, de maneira acessível à sociedade – talvez em exposição do Presidente da República em rede nacional –, as prioridades, escolhas e circunstâncias que pautaram suas avaliações, dando publicidade e transparência ao que pretende fazer e permitindo o controle social. Também devem ter transparência e justificação as emendas aprovadas pelo Congresso.
(ii) Contratos administrativos
No tocante aos contratos administrativos, firmados entre o Poder Público e o particular, as causas de desmandos são inúmeras. A começar por uma legislação sobre licitações e contratos cuja complexidade e formalismo impedem o administrador honesto de ser eficiente e não impede os ímprobos de fazerem espertezas. Minha primeira sugestão na matéria: simplificar a legislação para facilitar a sua observância. Ademais, as fraudes em contratações administrativas têm focos localizados, que olhos experientes podem detectar com alguma singeleza. Alguns deles são (a) o direcionamento da licitação por meio de exigências restritivas descabidas, (b) os aditivos contratuais que geralmente se seguem a propostas subfaturadas e (c) as contratações diretas em casos que não eram de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, frequentemente pela invocação de uma emergência que não é real. Também aqui, a simplificação na fiscalização, evitando-se controles sobrepostos, sucessivos e formais, poderia dar agilidade e eficiência.
(iii) Cargos em comissão ou de confiança
A Constituição brasileira prevê a existência de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração pelos agentes políticos dos três Poderes. Pela previsão constitucional, tais cargos devem se limitar aos que envolvam atribuições de direção, chefia e assessoramento. Os cargos em comissão não são um mal em si, pois é normal que os órgãos de direção – sobretudo no Poder Executivo – nomeiem, para determinadas posições, pessoas afinadas com os programas a serem implementados. O problema, no Brasil, está na falta de republicanismo nos critérios de escolha, assim como no número excessivo de cargos de confiança. Quanto à falta de republicanismo, é preciso instituir requsitos de capacitação técnica e mérito capazes de dar transparência ao recrutamento e de coibir práticas clientelistas e de nepotismo. Quanto ao número de cargos, a solução é mais singela: basta a sua drástica redução, o que, de resto, alinharia o Brasil com as boas práticas administrativas do resto do mundo. Apenas no plano do governo federal – onde os desmandos são menores e mais visíveis – existem mais de 23 mil cargos em comissão, em manifesto contraste com Estados Unidos (9 mil), Alemanha (500) e França (550)."

Um comentário:

BLOG REFLEXÕES disse...

Aplaudindo de pé!!

Alguém de coragem e sensibilidade para delinear com clareza o que aqui vivenciamos, e, pelo visto de repercussão em outras cidades também!

Parabéns Cleber por compartilhar isto conosco.

Abraços