terça-feira, 27 de julho de 2010

Presidente da Câmara ao assumir interinamente o Executivo continua vinculado ao Legislativo

Como dissemos noutra postagem, o Presidente da Câmara que assume interinamente a Chefia do Executivo continua vinculado à Câmara de Vereadores. O que justifica a interinidade é justamente o fato de ser Presidente da Câmara.

O TSE orienta-se neste sentido, veja-se, por exemplo, a ementa abaixo:

CONSULTA. DEPUTADO FEDERAL. APLICAÇÃO DO ART. 224 DO CE. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL NO EXERCÍCIO DA CHEFIA DO PODER EXECUTIVO LOCAL. INTERINIDADE.

1. Iniciada nova sessão legislativa sem decisão final quanto ao registro dos candidatos que obtiveram mais de 50% dos votos válidos, a administração do Poder Executivo Municipal ficará a cargo do Presidente da Câmara eleito nos termos do seu Regimento Interno.

2. O posto de Chefe do Executivo Municipal ocupado pelo Presidente da Câmara de Vereadores tem natureza transitória e não se vincula a pessoa que desempenha o mandato (AgRgREspe nº 28.500/SP, de minha relatoria, DJ de 8.8.2008).

3. Nos casos em que o Presidente da Câmara Municipal assume a Chefia do Poder Executivo local como consequência da aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, sua permanência nas funções de Prefeito restringe-se ao período em que estiver no exercício da Presidência.

4. Eleito novo presidente, de acordo com o Regimento Interno de cada Câmara Municipal, altera-se o responsável pela Chefia do Executivo local, até que sobrevenha decisão definitiva ou se realizem novas eleições.

5. Consulta conhecida e respondida negativamente quanto à primeira pergunta e positivamente quanto à segunda. (Consulta nº 1738 – brasília/DF, Resolução nº 23201 de 17/12/2009, Relator Min. FELIX FISCHER).

Ademais, o TSE ao examinar um interessante caso de substituição na Chefia do Executivo local por um juiz eleitoral , assentou a manutenção do vínculo do juiz à magistratura estadual:

Ao juiz eleitoral que assume a chefia do Poder Executivo Municipal não é devida a gratificação eleitoral, uma vez que permanece vinculado à magistratura estadual, sendo sua remuneração custeada na forma prevista pela Lei de Organização Judiciária Estadual.” (PA - PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 19186 – manaus/AM, Resolução nº 21880 de 12/08/2004, Relator Min. CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO).

No plano federal, o Presidente do STF é o terceiro na linha de substituição em caso de impedimento do Presidente da República ou do seu Vice, ou de vacância dos cargos respectivos, depois dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado (art. 80, da Constituição Federal).

No dia 15/05/2002, o Min. Marco Aurélio, então Presidente do STF, assumiu interinamente a Presidência da República por sete dias. Neste período, ele sancionou (ato privativo do Chefe do Executivo) a lei que criou a TV Justiça, porém sem perder o status de Presidente e o vínculo com o STF.

Veja como se identificou a autoridade responsável pela sanção da lei:

LEI No 10.461, DE 17 DE MAIO DE 2002.

Acrescenta alínea ao inciso I do art. 23 da Lei no 8.977, de 6 de janeiro de 1995, que dispõe sobre o Serviço de TV a Cabo, para incluir canal reservado ao Supremo Tribunal Federal.

O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Da mesma forma, quando o Presidente da Câmara assume interinamente o Executivo continua sendo Presidente, mantendo-se vinculado à Casa Legislativa.

Justiça Eleitoral é incompetente para definir questão da convocação do suplente para a Câmara de Vereadores

De modo simplificado, podemos dizer que compete à Justiça Eleitoral preparar, realizar e apurar as eleições. A sua competência, no entanto, cessa com a diplomação dos eleitos, consoante iterativa jurisprudência do TSE (Consultas nos 1.236, Rel. Min. Gerardo Grossi, DJ de 1º.6.2006; 761, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 12.4.2002; 706, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.2.2002).

“A diplomação é o ato em que a Justiça Eleitoral declara os candidatos eleitos e seus suplentes, em determinada eleição” (Mandado de Segurança nº 2.987, Porto Velho – RO, trecho do voto do relator: Ministro Nelson Jobim). A posse dos eleitos, como é ato posterior, não se insere entre as matérias de competência da Justiça Eleitoral. A respeito, transcrevo trecho de decisão do TSE:

"Não se conhece de questões atinentes à ordem de convocação de suplentes para assumir a titularidade de mandato eletivo - vago em razão de o titular ter sido cassado ou em virtude de ter tomado posse em cargo no Poder Executivo - por se tratar de situações posteriores à diplomação, não sendo, por isso, de competência da Justiça Eleitoral". (CTA - CONSULTA nº 1458 - brasília/DF, Resolução nº 22811 de 27/05/2008, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA)

Aliás, o TSE firmou entendimento no sentido de que “a diplomação de suplentes deve ocorrer até a terceira colocação, facultando-se aos demais suplentes o direito de solicitarem, a qualquer tempo, os respectivos diplomas” (PA - Processo Administrativo nº 19175 -Rio de Janeiro/RJ, Resolução nº 23097 de 06/08/2009, Relator(a) Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI).

Dessa forma, eventual litígio envolvendo a posse do suplente deverá ser resolvido pela Justiça Comum Estadual.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Licença ou impedimento do Presidente da Câmara?

Dentre as muitas atribuições do Presidente da Câmara está a de exercer interinamente a Prefeitura em caso de impedimento ou vacância dos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito (Parágrafo único, art. 65, da Lei Orgânica). Nesta hipótese, o Presidente passa a acumular a Chefia interina do Executivo, sem, no entanto, deixar de ser o Presidente da Câmara de Vereadores. E isso por uma questão lógica: a legitimidade para dirigir temporariamente o Executivo deflui do fato de presidir a Casa de Leis.

De acordo com o Regimento da Câmara, "o Presidente da Câmara, quando estiver substituindo o Prefeito ficará impedido de exercer qualquer atribuição ou praticar qualquer ato que tenha implicação com a função legislativa" (art. 14). Perceba que o texto fala claramente "impedido", não em "licença", não por acaso já que estas figuras não são tratadas da mesma forma pela lei. Observe, de igual modo, que o impedimento limita-se a função legislativa (definida no § 1º, art. 2°, do Regimento Interno), não alcançando outras como a fiscalização e a pratica de atos de administração interna.

O impedimento não autoriza a convocação de suplente, uma vez que a suplência é prevista apenas para os casos de vacância do cargo ou licença do vereador (art. 16, Lei Orgânica). Além disso, o vereador impedido, apesar de não votar nas sessões plenárias (art. 72, Regimento Interno), tem sua presença computada para efeito de quorum (§ 4º, art. 162, Regimento Interno), diferentemente do vereador que se licencia.

É bem de ver, pois, que o Presidente da Câmara exercendo as funções de Prefeito continua vinculado ao Legislativo e percebendo subsídios exclusivamente deste órgão.

Por outro lado, o vereador impedido tem o dever de comparecer às sessões pontualmente, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado (art. 65, V, Regimento Interno). O Presidente da Câmara ao chefiar o Executivo é alcançado, certamente, por esta exceção, mas vale o registro para marcar a distinção entre o impedimento e a licença.

Existe, entretanto, previsão de licença automática, independentemente de requerimento ou aprovação da Mesa ou do Plenário da Câmara, quando o cargo de Prefeito e Vice ficarem vagos depois de ultrapassados 3/4 de seus mandatos (art. 66, parágrafo único, da Lei Orgânica). Esta norma não está afinada com o artigo 81 da Constituição Federal, que prevê eleição indireta quando os cargos de Presidente da República e Vice ficarem vagos nos últimos 2 anos do período presidencial. A aplicação do preceito constitucional aos Estados e Municípios tem sido admitida pelo TSE, apesar de o STF orientar-se em sentido contrário.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Decisão na cautelar de Rosinha na íntegra

Decisão Monocrática em 01/07/2010 - AC Nº 154990 MINISTRO MARCELO RIBEIRO

DECISÃO

Cuida-se de ação cautelar, com pedido de liminar, ajuizada por Rosângela Rosinha Garotinho Barros Assed Matheus de Oliveira e Francisco Arthur de Souza Oliveira, prefeita e vice-prefeito do Município de Campos do Goytacazes/RJ, eleitos no pleito de 2008, visando à suspensão dos efeitos de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ) que, em sede de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), cassou os mandatos dos autores, por abuso do poder econômico em razão do uso indevido dos meios de comunicação.

Noticiam que o juiz eleitoral extinguiu a ação sem julgamento do mérito, por entender incabível AIME para apurar uso indevido dos meios de comunicação, e que no julgamento do recurso eleitoral o TRE/RJ afastou a preliminar de descabimento e, passando ao exame do mérito, com base no art. 515, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, julgou, por maioria, procedente a ação, cassando os mandatos dos ora requerentes e determinando a realização de novas eleições.

Informam que protocolaram, simultaneamente, embargos de declaração e recurso especial, e requereram, em sede cautelar, a suspensão dos efeitos do acórdão recorrido, até o exame da admissibilidade recursal, pedido esse que foi indeferido pelo juiz do TRE/RJ, redator para o acórdão da AIME, sob o fundamento de que competiria a esta Corte a concessão ao almejado efeito suspensivo.

Ressaltam a possibilidade de deferimento por esta Corte, em situações excepcionais, de medida liminar em ação cautelar, para conferir efeito suspensivo a recurso especial ainda não interposto.

Dizem que o recurso especial será ratificado após a divulgação do teor do acórdão que julgou os embargos, que, segundo tiveram notícia, teria sido publicado hoje.

Alegam que não seria cabível a aplicação da teoria da causa madura pela Corte colegiada, uma vez que o caso em exame não versa questão exclusivamente de direito, mas também de fato, sendo que o Tribunal Regional, ao julgar o mérito da causa, com base no art. 515 do CPC, violou a garantia do duplo grau de jurisdição, bem como o princípio da vinculação, insculpido no art. 132 do CPC, segundo o qual o juiz que colhe a prova deve julgar a lide.

Afirmam que, "no caso em exame, onde se trata de ação de impugnação de mandato eletivo apoiada única e exclusivamente em ação de investigação judicial eleitoral que versa apenas sobre alegado uso indevido de meio de comunicação social, a matéria é essencialmente de fato, ficando a questão de direito limitada à aplicação do direito ao quadro fático apurado, manifestamente controverso" (fl. 13).

Sustentam a ausência de prova suficiente para a caracterização do uso indevido dos meios de comunicação social, bem como da não interferência dos atos no resultado do pleito.

Argumentam que "os votos da corrente majoritária são genéricos ao extremo quando afirmam que a candidata Rosinha teria sido favorecida indevidamente por um jornal e por uma rádio" , enquanto os votos vencidos apontam, com segurança, "a ausência de prova firme no sentido de que a família Garotinho fosse proprietária desses veículos, até porque a testemunha ouvida durante a instrução da investigação judicial, única prova que serviu de base para a ação da impugnação ao mandato eletivo, disse que não saberia precisar quem seria o proprietário do jornal" (fl. 14).

Asseveram, ainda, que:

a) a única entrevista concedida por Rosinha Garotinho a seu marido foi veiculada em 14 de junho de 2008, bem antes do período eleitoral, não sendo possível que esse fato isolado possa caracterizar uso indevido dos meios de comunicação social, a justificar a procedência da AIME;

b) as matérias jornalísticas que teriam sido supostamente favoráveis à requerente, ainda que existentes, não constituem irregularidade, porquanto, nos termos da jurisprudência desta Corte, é lícito aos meios de comunicação assumirem posição favorável a candidato;

c) como assentado no acórdão regional, os jornais da Cidade de Campos dos Goytacazes teriam se dividido quanto ao apoiamento aos candidatos, o que afasta o aventado desequilíbrio do pleito;

d) não cabe AIME com base em uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos da jurisprudência assente deste Tribunal.

Defendem o prejuízo irreparável aos requerentes, pois seus mandatos têm prazo certo, "a seus eleitores e à própria administração pública, uma vez (sic) a alternância sucessiva na chefia do Poder Executivo é sempre traumática" (fl. 22).

Requerem o deferimento da liminar para suspender os efeitos do acórdão recorrido, proferido nos autos da AIME nº 605/2009 (Recurso Eleitoral nº 7343), "até que o recurso especial eleitoral já interposto e que aguarda exame de admissibilidade seja definitivamente julgado pelo Eg. Tribunal Superior Eleitoral" (fls. 27-28).

É o relatório.

Decido.

Em juízo preliminar, entendo que não se faz presente o fumus boni juris.

Não vislumbro a aventada violação ao art. 515, § 3º, do CPC, bem como ao princípio do duplo grau de jurisdição, porquanto a Corte Regional passou ao exame do mérito da demanda, com base na teoria da causa madura, consignando que o feito não exigiria dilação da instrução probatória. Destaco do voto condutor do acórdão (fls. 1.554-1.555):

Malgrado tais considerações, o caso em exame não exige dilação da instrução probatória, eis que, conquanto envolva situação de fato e de direito, apresenta elementos suficientes ao seu imediato julgamento, nos estritos termos das regras prescritas nos arts. 515, §§3° e 4°, do Código de Processo Civil, que consagram a chamada "Teoria da Causa

Madura". Releva observar que o recurso é um ato postulatório, e como tal, fixa os limites da atividade judicante a ser empreendida pela Corte, razão pela qual a melhor doutrina toma por indispensável a formalização de pedido expresso de um novo julgamento, providência devidamente observada pelos recorrentes (fls. 1372 e 1380). Todavia, ainda que a impugnação recursal em comento se restringisse a enunciar impropriedades da sentença, claro estaria que o retorno dos autos para prolação de um novo ato decisório seria providência inútil e flagrantemente infensa aos Princípios da Economia Processual e da Duração Razoável do Processo, posto que já reunidas as condições necessárias para seu imediato julgamento. Trata-se de concepção que tem encontrado respaldo na jurisprudência pátria.

Tal posicionamento está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada nos seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSOLVÊNCIA CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 515, § 1º, DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA.

[...]

3. Não obstante o art. 515, § 3º, do CPC, utilize a expressão "exclusivamente de direito", na verdade não excluiu a possibilidade de julgamento da causa quando não houver necessidade de outras provas. O mencionado dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 330, o qual permite ao magistrado julgar antecipadamente a lide se esta versar unicamente sobre questões de direito ou, "sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência". Assim, firmada a conclusão adotada pelo Tribunal a quo na suficiência de elementos para julgar o mérito da causa, não pode esta Corte revê-la sem incursionar nas provas dos autos, o que é vedado pela Súmula 07/STJ.

[...]

(Destaquei).

(Acórdão nº 785.101/MG, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 1º.6.2009).

[...]

4. Esta Corte Superior, como instância de superposição, detém jurisdição nacional sobre as Justiças Estadual e Federal e, ainda, considerando estar a causa pronta para ser julgada, por prescindir de dilação probatória, cabível, in casu, o disposto no artigo 515, § 3º, do CPC (Teoria da causa madura). Precedentes.

[...]

(Destaquei).

(Acórdão nº 29.493/MS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Turma, DJe de 1º.7.2009).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA EXTINTIVA. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXAME DO MÉRITO DA DEMANDA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. CONCORDATA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO. CONTRATO DE MÚTUO. DIFERENCIAÇÃO. SÚMULAS 05 E 07/STJ.

[...]

2. O Tribunal ad quem está autorizado a adentrar no mérito da causa, ainda que o processo, na instância de origem, tenha sido extinto sem julgamento do mérito, se se cuidar de demanda envolvendo questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. Aplicação da Teoria da Causa Madura (art. 515, § 3º, do CPC).

[...]

(Destaquei).

(Acórdão nº 510.416/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina, Terceira Turma, DJe de 23.2.2010).

Quanto à alegação de que seria inviável a apuração do uso indevido dos meios de comunicação em sede de AIME, depreende-se dos autos que o órgão regional examinou os fatos sob a ótica do viés econômico das condutas, de acordo com a exposição fática e o pedido constantes da inicial, não havendo se falar, portanto, em ofensa ao art. 14, § 10, da Constituição Federal. É o que se infere dos seguintes excertos do acórdão vergastado (fls. 1.553-1.554).

De fato, descreve a vestibular a ocorrência de abuso de poder econômico por uso indevido de meio de comunicação, consubstanciado na espúria utilização, pelos recorridos, de um verdadeiro império de comunicação social em âmbito regional, que estaria inteiramente comprometido com o esforço de campanha da hoje Prefeita de Campos dos Goytacazes, Rosinha Garotinho, e de seu Vice, Francisco Arthur de Souza Oliveira. É certo, por outro lado, que a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo é instrumento processual que busca a desconstituição do mandato, acaso evidenciadas situações de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. Noutro falar, as hipóteses que ensejam a propositura da AIME são específicas, o que não significa dizer que o uso indevido dos meios de comunicação social noticiado não se mostre inserido em um contexto de abuso de poder econômico. Antes o contrário. Uma das formas mais usuais de manifestação do ilícito em referência ocorre exatamente pela massiva exploração de jornais, rádios e outros veículos de comunicação de massa, mercê de sua inconteste influência perante o eleitorado.

[...]

É dizer o óbvio, o que ainda assim foi feito pelos recorrentes, que expressamente consignaram que a prática abusiva questionada traduzia abuso de poder econômico, citando precedentes do TSE a respeito.

Quanto ao mérito, a Corte Regional analisou as provas dos autos e concluiu pelo abuso do poder econômico, em razão do uso indevido dos meios de comunicação em favor dos ora requerentes. Nesse sentido, destaco trechos do decisum (fls. 1.555-1.558):

A judiciosa análise empreendida pelo Ministério Público Eleitoral com atuação na primeira instância nos elementos carreados aos autos permite entrever a nítida utilização do grupo de comunicação O Diário, responsável pela edição de um jornal com grande circulação na região e que explora a concessão de uma rádio local com significativa audiência, no esforço de campanha da hoje Prefeita de Campos dos Goytacazes, Rosinha Garotinho, a bem ilustrar a prática ilícita sobremencionada, comprometendo a legitimidade do processo eleitoral em que a primeira recorrida restou eleita.

De fato, tem-se por evidenciada a notável campanha empreendida pelos referidos órgãos de comunicação escrita e de radiodifusão, que não se furtaram de publicações e programas favoráveis a então candidata Rosinha Garotinho, sempre secundada por seu consorte, o ex-governador Anthony Garotinho, o que rendeu ensejo ao reconhecimento de numerosos direitos de resposta, concernentes a matérias pretensamente jornalísticas em que veiculados fatos desairosos e muitas vezes inverídicos sobre o seu principal adversário, Arnaldo Vianna.

É o que se colige, por exemplo, da edição colacionada às fl. 114, de 14 de outubro de 2008 (pág. 3), onde se destacam afirmações da primeira recorrida de que quem se dispusesse a votar em seu concorrente teria seu voto anulado, em conta da denegação de seu registro, não obstante tal denegação ainda estivesse sendo discutida em juízo. Não por outra razão o candidato prejudicado logrou decisão judicial concedendo-lhe direito de resposta, diante da natureza inverídica da informação então publicada sem qualquer ressalva (fls. 237/238). Em sentido assemelhado, destaca-se o periódico que circulou aos 11 de outubro (fl. 113), que assim vaticinou a candidatura do adversário de Rosinha Garotinho em uma matéria: "A informação solicitada pelo TSE visa somente a cumprir procedimento burocrático, porque já consta na sentença que cassou o registro de Arnaldo Vianna que as irregularidades são insanáveis". Nova decisão judicial reconheceu o descompromisso da publicação com a realidade (fls. 239/240).

[...]

Acrescente-se, por simples amor ao debate, que o direito outorgado à imprensa escrita, a quem se permite externar opinião favorável a candidato, partido ou coligação, deve ser exercido por meio de editorias, deixando claro ao leitor que a resenha não exprime fato jornalístico, mas simples posicionamento político-ideológico do órgão de imprensa, especialmente em um momento decisivo do certame.

Todavia, ainda mais graves se afiguram os programas veiculados na Rádio Diário (FM 100,7), então conduzidos por Anthony Garotinho, com especial relevo para a entrevista por este realizada aos 14 de junho de 2008 com Rosinha Garotinho, onde se anuncia a sua pré-candidatura, faz-se enaltecimento de políticas públicas por ela realizadas enquanto Governadora do Estado e seu intento de implementá-las também no Município de Campos a traduzir manifesta propaganda extemporânea, assim reconhecida pelo Juízo Eleitoral da 99a Zona, que determinou a suspensão do programa "Fala Garotinho" (fls. 379/381), em prestígio ao "princípio da isonomia que deve nortear o pleito eleitoral que se avizinha, princípio esse que restou malferido no programa de rádio sob açoite".

A adesão da Rádio Diário FM ao esforço de campanha da primeira investigada era tão explícito, que em programa veiculado aos 07 de outubro de 2008, apenas dois dias após a realização do primeiro turno, as apresentadoras Linda Mara e Patrícia Cordeiro comemoravam efusivamente a vitória de Rosinha Garotinho e a dedicação por ambas emprestada a tal desiderato. Alguns trechos merecem ser reproduzidos (fls.159/160):

"Linda Mara - 'Patricia é muito competente nas coisas que ela faz, muito. As vezes ela nem conhece aquilo dali, mas bota na mão dela pra ver. Então, parabéns, você teve uma participação fundamental agora na campanha da Rosinha, entendeu?'

(...)

Linda Mara - 'Eu lutei muito pra que a Rosinha realmente se sagrasse aí a campeã nessa eleição, nossa Prefeita, por causa do meu filho, que tem 11 anos e precisa muito.'" (g. n .)

O mais interessante é que Linda Mara apresentava um programa que veio a substituir aquele outrora comandado por Anthony Garotinho, denominado "Fala Garotinho", do qual, coincidentemente, era produtora, conforme evidencia a cópia do ofício por ela subscrito, que se encontra colacionada à fl. 413. Mais do que isso: Linda Mara foi nomeada para o cargo em comissão de Secretária da atual Prefeita, Rosinha Garotinho, pela Portaria 040/2009, de 1° de janeiro de 2009 (fl. 1302).

Em relação ao potencial lesivo das condutas, assim consignou o Regional (fls. 1.559-1.560):

Diante de tal moldura jurídica, é imperioso reconhecer que os fatos acima narrados inegavelmente ostentam a potencialidade de atentar contra a isonomia entre os candidatos, mormente em um processo eleitoral reduzido a um hermético grupo de forças políticas que costumam se alternar no poder, especialmente nas disputas municipais alheias às grandes metrópoles.

[...]

Nessa linha de raciocínio, afigura-se inconteste a potencialidade lesiva das práticas panfletárias narradas nestes autos, não se podendo ignorar o poder de convencimento de um tradicional jornal regional, com circulação diária, e especialmente da rádio pertencente ao mesmo grupo de comunicação, que por ser explorada mediante concessão do Poder Público, submete-se a austeras e pormenorizadas restrições em período eleitoral. É fato notório que a rádio exerce influência marcante, principalmente no interior e junto aos eleitores menos favorecidos economicamente, que não podem arcar diariamente com os custos dos periódicos escritos.

Ressalto que, consoante destaquei ao conceder a liminar na Cautelar nº 1420-85/RJ, quando se trata de apurar a potencialidade dos atos para desequilibrar a eleição, todos os praticados devem ser considerados, a não ser que se trate de imposição de pena de inelegibilidade a terceiro, não candidato.

No caso, os autores da cautelar eram candidatos e, segundo a moldura delineada pelo acórdão recorrido, foram efetivamente beneficiados por atos de abuso com potencial para desequilibrar o pleito.

Dessa forma, considerado o contexto fático-probatório descrito pelo Tribunal a quo, a reforma do julgado demandaria, em princípio, o reexame de fatos e provas, o que não se admite em sede de recurso especial.

Entendo, portanto, neste juízo de cognição sumária, próprio da presente fase processual, que não foi demonstrada a plausibilidade do direito, apta a afastar a regra geral de ausência de efeito suspensivo dos recursos eleitorais (art. 257 do CE) e da execução imediata das decisões proferidas em sede de AIME.

Diante do exposto, nego seguimento à ação cautelar, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno desta Corte.

Publique-se.

Brasília-DF, 1º de julho de 2010.

Ministro Marcelo Ribeiro, relator.

Acompanhe a ação cautelar ajuizada por Rosinha e Chicão no TSE

A ação cautelar visando à suspensão da cassação dos mandatos de Rosinha e Chicão foi ajuizada no TSE. O processo já está concluso para apreciação do relator, Ministro Marcelo Ribeiro, a quem foi distribuído por dependência. A decisão deve sair nas próximas horas. Para consultar o andamento do processo clique aqui. A distribuição ao Ministro Marcelo Ribeiro, por suposta dependência com aquela outra cautelar proposta por Garotinho, não se justifica. De acordo com a jurisprudência do TSE, a distribuição por dependência exige que as partes sejam as mesmas, como se infere do julgado abaixo:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO. PROVA DESNECESSÁRIA. I - O magistrado pode indeferir pedido de produção de provas que julgar desnecessário ou protelatório. Inteligência do art. 130 do Código de Processo Civil. II - Não há conexão entre recursos autônomos e interpostos por partes distintas. III - Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos. IV - Agravo regimental desprovido e pedido de conexão indeferido. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o Agravo Regimental, nos termos do voto do Relator. ARCED nº 738 /RJ, Acórdão de 13/08/2009, Relator(a) Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI