terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Os problemas da terceirização

"Prática cresce fora de controle e gera dificuldades para trabalhadores e processos judiciais. O crescimento desenfreado e descontrolado da terceirização de empresas para prestar serviços à iniciativa privada e à administração pública começa a trazer problemas não só ao trabalhador, que não recebe seus devidos direitos, como também à magistratura trabalhista, que não tem meios legais suficientes para enquadrar terceirizadas fraudulentas. A preocupação com a terceirização irregular foi debatida durante o 13º Congresso Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat) realizado na semana passada em Maceió, Alagoas. Teses foram apresentadas durante o evento, reforçando o entendimento de que algumas empresas terceirizadas têm contribuído para a precarização das relações de trabalho.
A falta de legislação pertinente que limite as possibilidades de atuação dessas empresas também favorece um quadro que se apresenta desfavorável ao trabalhador, comprometendo parte dos direitos trabalhistas e da dignidade humana, uma vez que muitos se submetem ao trabalho em virtude da escassez de empregos e baixos salários.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juiz José Nilton Pandelot, aponta uma das teses defendidas pelo juiz Jorge Souto Maior, que proíbe a terceirização no serviço público. Segundo Pandelot, no serviço público não se poderia fazer cientificamente distinção entre atividade meio e fim, sendo obrigatório concurso público para exercício da função. Ele relembra que a terceirização na administração pública começou na década de 80 e, posteriormente, o setor privado reproduziu a prática exercida pelo serviço público.
'As empresas tercerizadas são também núcleos de corrupção no País. Cria-se uma rede de irregularidades, conchavos e clientelismo nessas empresas privadas. Acho que dividir o que é do estado e o que é da iniciativa privada faz muito bem e ali temos que ter delimitação, se não perfeita, objetiva. A idéia de proteger o trabalhador e ao mesmo tempo o estado é uma idéia que cativou os congressistas que aprovaram por aclamação a tese', afirmou.
Representação da "Precarização" das relações de trabalho Segundo o magistrado, a terceirização, em alguns casos, passou a representar a "precarização" das relações de trabalho, com prejuízo ao trabalhador. A terceirização foi planejada para facilitar, aumentando a produção e promovendo a circulação de bens de consumo e direitos. Dessa forma, o trabalho exercecido por outros empregados, que não os da empresa-núcleo, acarretaria em eficiência para competir com melhores condições no mercado. 'Mas o que se vê não é isso', reiterou Pandelot.
O advogado e professor José Affonso Dallegrave lembra que, na década de 30, o movimento fordista marcou a linha de produção da época, onde todos os departamentos eram concentrados na mesma empresa. O modelo fordista, onde o chefe ficava próximo dos subalternos, cedeu espaço após a 2ª Guerra Mundial. Um dos problemas vivenciados pelos japoneses era a falta de espaço físico para comportar o tamanho da empresa e dos respectivos setores.
Por conta disso, explica Dallegrave, os japoneses resolveram romper com o modelo fordista de linha de produção, criando, assim, um modelo mais flexível, de acordo com a necessidade da empresa. As empresas deixaram de construir produtos em série (just in case) para criar o sistema sob medida (just in time).
Os japoneses criaram um novo paradigma. Segundo o professor, a primeira fábrica a mudar a linha de produção foi a Toyota, criando o movimento toyotista, que é continuação ou ruptura do movimento fordista. Esse modelo é mais flexível no sentido de que a empresa não precisa ser grande, basta preocupar-se com produtos principais e essenciais, sendo o restante terceirizado.
'Foi a maneira encontrada de ficar com o "filé mignon" com custo baixo. Aquilo que fosse secundário ficaria com as terceirizadas. Criou-se um novo paradigma para o Direito do Trabalho. Esse modelo tem marca forte, que é a terceirização. Esse fenônemo da terceirização é tão forte que hoje já existem as empresas quarterizadas que são responsáveis por monitorarar as terceirizadas e prestar contas para a empresa-núcleo. A terceirização é um fenômeno vivo, inclusive no Brasil e nós não podemos ver a terceirização de forma fraudulenta', afirma.
É nesse troca-troca de responsabilidades e custos do trabalhador que a Justiça do Trabalho é chamada para resolver litígios provocados pelas empresas terceirizadas que nem sempre asseguram os direitos trabalhistas e que muitas vezes assumem compromissos inviavéis de ser cumpridos. Além disso, tanto na iniciativa privada quanto na pública, não há controle dos serviços que podem ser ou não terceirizados. Segundo Dallegrave, cerca de 20% das ações trabalhistas são referentes às terceirizações irregulares.
'A terceirização, na atual quadra, é o câncer das ditas relações de trabalho modernas. Só que ao contrário da doença devastadora, não precisamos de pesquisas mais profundas para investigar os seus nefastos efeitos e para eliminá-la. A organização dos trabalhadores é a única arma para se contrapor, de modo real, à terceirização e, se não houver tal movimento, no futuro bem próximo, as reivindicações trabalhistas mirarão apenas as empresas terceirizantes, desfrutando os verdadeiros empregadores, donos dos meios de produção, de um conforto que nem o mais audacioso capitalista imaginava alcançar. Esse é o dilema que se apresenta. Se a terceirização não for domada, sem nenhuma dúvida, o seu potencial destrutivo arrasará ainda mais sindicatos e trabalhadores', ressalta o juiz do Trabalho Grijalbo Coutinho, titular da 19ª Vara do Trabalho do Distrito Federal.
Diante do volume de ações trabalhistas questionando direitos trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula 331 que permite a terceirização da atividade meio (serviços secundários) e impedindo essa possibilidade com relação à atividade fim, que é essencial à empresa.
'Hoje, o parâmetro que existe para julgar casos de terceirização é o enunciado do TST, que ainda assim é combatido por muitos juízes. Em boa medida impossibilita que determinadas formas de exploração deixem de ser punidades. A lei não é respeitada pela empresa, o que dirá o enunciado. O Brasil não tem legislação específica sobre a matéria, tendo apenas a legislação referente ao trabalho temporário que, por sua vez, não abrange a terceirização e tem suas peculiaridades. O Brasil carece dessa legislação e os juízes trabalhistas têm trabalhado com empenho no Congresso Nacional para evitar a fixação de regras nocivas', afirma o juiz do Trabalho Hugo Melo Filho, que é também conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O magistrado entende ser relevante a produção de norma que limite as possibilidades de atuação das empresas terceirizadas. Um dos critérios que poderiam ser estabelecidos se refere à exigência de capital social compatível com o valor do contrato a ser firmado.
'Há empresas cujo capital social é de R$ 50 mil e os contratos firmados ultrapassam a cifra dos R$ 2 milhões. São empresas economicamente não idôneas. No atual estágio do capitalismo não é possível se vedar a prática da terceirização mas há mecanismos válidos de redução das possibilidades. A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) trabalha no sentido de evitar a aprovação de projetos ruins', afirma Melo Filho.
Contratação irregular na administração pública Diante de terceirizações irregulares na administração pública, o Ministério Público do Trabalho tem trabalhado para tentar conter práticas indevidas em setores públicos, sejam da União, Estados ou Municípios. Para juízes do Trabalho, a terceirização na administração pública é mais grave porque são preenchidas vagas que deveriam ser ocupadas por servidores concursados. Além disso, a qualidade do serviço prestado é ruim e nem sempre os funcionários são qualificados.
Ações cíveis públicas têm sido ajuizadas como forma de proibir a contratação de terceiros para atividades exercidas pela administração. No Estado do Rio, liminar obtida pela Procuradoria Regional do Trabalho contra o Estado assegurou a demissão de terceirizados até o próximo mês para que as vagas possam ser preenchidas por servidores aprovados em concurso público.
Alguns avanços também têm sido obtidos como, por exemplo, a formalização de acordo judicial com a União que prevê a regularização de cerca de 10 mil cargos. De acordo com a vice-coordenadora da Coordenação Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública, procuradora Vivian Rodrigues Mattos, a expectativa é de que o acordo venha a ser assinado nos próximos dias.
A administração pública passou a terceirizar serviços para atender à crescente demanda. Segundo a procuradora, a terceirização ocorre porque não há cargo público suficiente. Ela acredita que o acordo firmando com a União poderá ser de grande valia, sinalizando aos demais administradores o que deve ser feito para regularizar a situação dos funcionários.
Diante dessa conscientização, explica a procuradora, a União irá prepar lenvantamento de todos os serviços que são terceirizados a fim de redimensionar a estrutura do serviço público. Atualmente não há estatítica sobre a quantidade de pessoas que prestam serviços de apoio complementar à administração pública. Com base nos dados, será possível avaliar quantos cargos precisam ser criados para regularizar a situação mediante apresentação de projeto de lei.
'Ao invés de o Estado contratar de forma regular, através de concursos, ele passa ser um dos principais fomentadores da informalidade', ressalta Vivian. Um outro problema constatado na administração pública é que a terceirização de serviços acaba propiciando fraudes. Em alguns casos, os serviços são prestados por parentes ou amigos de pessoas ligadas à administração, que, por sua vez, utilizam-se da ocupação em cargo público para beneficiar pessoas próximas ou com grau de parentesco.
A responsabilidade do tomadaor de serviços A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) assegura ao trabalhador o recebimento dos seus direitos, ao afirmar que 'o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial'.
De acordo com o juiz do Trabalho Hugo Melo Filho, o TST admite a contração se o serviço prestado for de atividade meio. No entanto, reconhece o magistrado, em alguns casos, é difícil identificar se determinado serviço é atividade meio ou fim da empresa".
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